RISCO CAMBIAL E CONCESSÕES RODOVIÁRIAS

Medidas de mitigação do risco cambial podem auxiliar na captação de investimento estrangeiro em infraestrutura

O risco cambial, que consiste basicamente no descompasso entre as receitas auferidas em real e os custos de financiamento ou de insumos em moeda estrangeira, tradicionalmente pertenceu à álea ordinária dos contratos, sendo considerado um risco do negócio. O seu gerenciamento ocorre por meio de mecanismos de proteção cambial que travam o valor da moeda estrangeira a fim de conferir maior previsibilidade ao retorno (hedge), o que, todavia, é dificultado pelo seu alto custo, que pode encarecer os projetos e aumentar o valor das tarifas.

A alocação do risco cambial nos contratos de parceria passou a ser reformulada pelo poder público a partir de 2015, frente a três principais fatores: a menor atuação do BNDES como principal financiador de longo prazo nos contratos; a substituição da TJLP pela TLP, que na prática acabou com a taxa de juros subsidiada; e as verbas públicas e o financiamento privado interno insuficientes para cobrir o hiato de investimento, que é a diferença entre o investimento acumulado e o necessário em infraestrutura.

Nesse cenário, o investimento estrangeiro passou a ser buscado. A razão é numérica: segundo estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, elaborado no ano de 2018, o Brasil precisa investir R$ 8,7 trilhões em infraestrutura até 2038. Por outro lado, fundos de financiamento estrangeiros acumulam cerca de US$ 70 trilhões, sendo que R$ 13 trilhões estão aplicados em títulos com rendimento abaixo de zero. A divisão do impacto da volatilidade do câmbio passou a ser estudada pela Administração Pública como forma de atrair investimento estrangeiro no setor de infraestrutura. 

 No ano de 2017, a ARTESP inovou nos contratos de concessão rodoviários do Centro-Oeste Paulista ao criar um mecanismo de compartilhamento de risco cambial por meio do uso de outorga variável. Sinteticamente, caso o concessionário optasse pelo mecanismo, a taxa de outorga variável, fixada em 3%, poderia variar entre 0% até 6% da receita bruta anual, sendo menor que 3% se o real se desvalorizasse e maior que 3% se ele se valorizasse. Se a desvalorização do real acarretasse uma perda financeira superior ao valor devido de outorga variável, ou se a valorização do real fosse maior que o montante correspondente ao aumento da outorga para 6%, a concessionária ou poder concedente ficariam com saldos a compensar nos anos seguintes, sendo a compensação limitada apenas ao fluxo futuro de outorga variável. 

A proteção cambial prevista em tais contratos somente poderia ser acionada nas hipóteses de financiamento em moeda estrangeira e no montante do valor principal do instrumento, nos primeiros cinco anos da concessão, tendo como finalidade o pagamento de outorga ou o investimento em bens reversíveis. 

Recentemente, no âmbito das concessões rodoviárias federais, a ANTT também lançou um importante mecanismo de compartilhamento de risco cambial na concessão da NovaDutra (BR-116-101-RJ-SP). O contrato previu a criação de uma “Conta de Retenção”, que é uma conta bancária de titularidade da concessionária e de movimentação restrita, gerida exclusivamente pelo banco depositário, na qual devem permanecer depositados determinados recursos vinculados oriundos da receita bruta obtida pela concessão e de lance ofertado no leilão, especificamente para aplicação do mecanismo de proteção cambial.

O objetivo do dispositivo é manter um colchão de liquidez para a sustentabilidade econômico-financeira do contrato, em especial, mitigando os efeitos advindos da variação cambial para dívidas de financiamento em moeda estrangeira (apenas para o montante principal), contraídas nos cinco primeiros anos da concessão para investimento em bens reversíveis. A concessionária tem doze meses para manifestar seu interesse na adesão do mecanismo, caso contrário, o poder concedente não se obriga a ativá-lo, e as compensações devem ocorrer de forma mensal para o poder concedente ou para a concessionária, a depender da oscilação do dólar ou de outra moeda estrangeira em que tiver sido realizado o financiamento. 

Ainda mais recentemente, foi publicado o Novo Marco Cambial (Lei Federal 14.286/2021), que admite pagamentos em moeda estrangeira nos contratos celebrados entre exportadores e concessionárias, permissionárias, autorizatárias ou arrendatários de infraestrutura (art. 13, VII). A possibilidade de arrecadação de receita em moeda estrangeira acaba por caracterizar um hedge cambial natural nos contratos, já que minimiza o descompasso entre as receitas auferidas em real e os custos de financiamento ou de insumos em moeda estrangeira.

É importante destacar que os mecanismos de mitigação do risco cambial devem partir de um planejamento estratégico que justifique a intervenção estatal em fator que atinge indistintamente todos os setores da economia, sob pena de se favorecer específicas áreas (cujo impacto do câmbio será mitigado) e desencadear risco moral de todos os agentes buscarem proteções às suas atividades fins ou migrarem para setores protegidos. 

Os mecanismos destacados mostram-se pertinentes sobretudo nas concessões rodoviárias, nas quais se verifica, de modo geral, pouca disputa nos certames licitatórios, o que indica limitado investimento privado nacional a fazer frente ao hiato de investimento e, ainda, ao valor almejado pelo governo federal a ser investido em rodovias esse ano – R$ 80 bilhões. Estudar e aperfeiçoar tais mecanismos pode servir como potencial medida para atrair o financiamento estrangeiro, ao menos a níveis de maior captação.

 

Bruna Souza da Rocha

Advogada associada no Tojal Renault Advogados. Mestranda em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduada em Direito Econômico pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.

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